Psicanalise Culturalista E Arte

Cidade Diva No Divã

São Paulo Em Terapia – Primeira Sessão

FC – Ficha de Cliente – De acordo com a NTSV – TH 003

Henrique Vieira Filho – Terapeuta Holístico – CRT 21001

Nome / Cliente: Cidade de São Paulo

Endereço: Latitude: -23.5489, Longitude: -46.6388 23° 32′ 56″ Sul, 46° 38′ 20″ Oeste

Nascimento: 25 de janeiro de 1554 (obs.: esta é a data oficial; a Cliente esclarece que o dia exato, nem ela lembra, mas que foi em 1520…)

Apontamentos:

Minha nova Cliente é uma charmosa e hiperativa senhora quatrocentona… Apesar de desconfiar que sua foto na ficha está desatualizada…

Nesta nossa primeira sessão, pontuou que, às vésperas de seu aniversário, considera que chegou o momento de re-investir em autoconhecimento.

Cidade:

_ Eu já passei por terapia, faz algum tempo, com um psicanalista, colega seu… Só não concordo com tudo o que ele analisou! Até me chamou de histérica!

Terapeuta:

_ Talvez ele tenha dito que sua personalidade é do tipo histérica, ou seja, que se percebe como irresistível a todos, sedutora por seu potencial, por suas oportunidades.

Cidade:

_ Acalento o sonho de tantos, mas, sei que também posso virar pesadelo. Sou uma quatrocentona cheia de charme! Quando desfilo pelo mundo, ornada com o Masp, o Teatro Municipal, a Estação da Luz, a Ponte Estaiada… Hum… Sabia que até o Tom Jobim cantou que me amava? Mas, linda mesmo, eu era quando menina!

Terapeuta:

_ Me fale sobre a sua infância…

Cidade:

_ Bons tempos, aqueles! Minha beleza não era construída, como hoje em dia… Era totalmente natural! Florestas densas, animais exóticos, rios, muito sol…

Fui revolucionária: a primeira dentre as minhas irmãs a morar no interior! Todas as demais nasceram e cresceram junto ao mar… Eu me aventurei pelas matas e me estabeleci em uma colina circundada por dois rios, o Tamanduateí e o Anhangabaú, que fechavam um delta com uma enorme área alagada: as várzeas do Carmo e do Glicério. Eu era como uma ilha! Sabia que o Padre Anchieta teve que vir de barco para me batizar?…

Terapeuta:

_ Como é a relação com suas irmãs?

Cidade:

_ Elas me criticavam muito… Diziam que eu era louca de morar no interior, com tantas praias que ainda faltavam desbravar… Minhas irmãs tinham porto, navios para o comércio, estavam fazendo fortunas e se vangloriando! Só que eu provei para elas que sou tão boa quanto! Dei duro, trabalhei sem descansar, sem dormir e me tornei esta megalópole que você conhece! Mostrei para elas todas que eu não precisava de oceano, coisa nenhuma!

Terapeuta:

_ Notei a sua pausa reflexiva… Creio que você teve o que chamamos de “insight”…

Cidade:

_ Minha autoestima estava frágil com essa questão de não ter oceano… Acabei por negligenciar e negar as minhas próprias águas! Cobri meus rios com vastas avenidas… Sabia que dois terços delas correm sobre os antigos caminhos das águas?

De tanto me infernizar com as minhas irmãs/rivais do litoral, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, a minha relação com minhas águas foi indo de pacífica, com direito a regatas no rio Tietê, para uma investida furiosa contra os rios, riachos e córregos. Quis apagar as águas até o último vestígio!

Terapeuta:

_ Respire fundo… Deixe vir as emoções… Os “insights” são assim: uma infinidade de informações em uma fração de segundo; levará algum tempo para “digerir” e elaborar tudo.

Cidade:

_ E então, meu caro terapeuta… Vai me aplicar acupuntura? Recomendar uns florais de Bach? Reflexoterapia? Arteterapia, quem sabe?…

Terapeuta:

_ Possivelmente, uma mescla destas técnicas…. Notei mesmo essa zona reflexa, aqui na região da Cracolândia necessitando de alguma atenção; uma “acupuntura”, só que SEM agulhas, pode ajudar… No mais, creio que a Arteterapia será um bom caminho para ampliar a consciência perante o “insight” de hoje e os futuros, que certamente virão…

Cidade:

_ Minha personalidade “histérica” está retomando: pintarei um autorretrato!

Tela concebida pela Cliente “Cidade de São Paulo”, na sequência de sua primeira consulta…

Título: “Polimetropolis”

Artista: Henrique Vieira Filho

Técnica: Mista – Tamanho: 120 cm x 80 cm – Ano: 2018PAGE_BREAK: PageBreak

Cidade Diva No Divã

São Paulo Em Terapia – Segunda Sessão

FC – Ficha de Cliente – De acordo com a NTSV – TH 003

Henrique Vieira Filho – Terapeuta Holístico – CRT 21001

Nome / Cliente: Cidade de São Paulo

Endereço: Latitude: -23.5489, Longitude: -46.6388 23° 32′ 56″ Sul, 46° 38′ 20″ Oeste

Nascimento: 25 de janeiro de 1554 (obs.: esta é a data oficial; a Cliente esclarece que o dia exato, nem ela lembra, mas que foi em 1520…)

Apontamentos:

Esta é a segunda sessão com minha nova Cliente, que é uma charmosa e hiperativa senhora quatrocentona…

Desta vez, trouxe uma foto nova para a ficha, onde uma de suas filhas a acompanha; creio que será uma boa pauta para Fototerapia


Terapeuta:

_ Fale um pouco sobre a foto que escolhe para sua ficha.

Cidade:

_ Nem lembro se já te contei: eu tenho MILHÕES de filhos! Tanto os naturais, quanto os migrantes, amo-os sem distinção! Só que são tantos que nem dou conta… Aliás, é impossível encontrar uma foto em que esteja sozinha!

Terapeuta:

_ O que lhe chama a atenção nesta imagem?

Cidade:

_ Ah, essa menina! É uma exibicionista! E ainda tem mania de grandeza: se acha uma gigante, mesmo sendo pequenina… Deveria ser mais comportada, nesta idade! Não é mais uma jovenzinha!

Terapeuta:

_ Hum… Compreendo…

Cidade:

_ Até já sei o que está pensando! Esqueceu que já passei por psicanálise, antes? Deve estar achando que estou “projetando” minha característica na menina…

E que eu é quem não é mais “jovenzinha” pois faço aniversário agora…

Terapeuta:

_ É uma hipótese em que deve pensar e sentir com a justa atenção…

Cidade:

_ Seu colega fazia a mesma coisa! Ele é quem “projetava” em mim o que via em meus filhos!

Cito aqui, as palavras dele*:

Assim, justamente por ser histérica, São Paulo é:


Depressiva, como um antigo sobrado pichado, numa rua desfigurada e quase inabitável, por ter-se tornado via de acesso a uma marginal.

Maníaca, como a corrida de três peruas da Rota, das quais não se sabe se estão atrás de alguém ou apenas tentando se (e nos) convencer de que estão agindo.

Narcisista, como a barulhenta parada de dois motoqueiros na frente do bar Filial (na Vila Madalena), só o tempo necessário para certificar-se de que suscitaram alguma inveja nos outros varões que estão tomando chope na calçada.
Fóbica, como aquele motorista de táxi que, no fim dos anos 80, me disse que passava um pano com álcool no banco traseiro quando levava alguém para o Emílio Ribas. Ou como a lavagem cotidiana das calçadas das mansões.
Paranóica, como o insufilme dos carros blindados e das guaritas de segurança ou como os cacos de vidro em cima dos muros ao redor das casas.
Louca, como a aposta dos motoboys, que acreditam que os motoristas nunca mudarão de faixa.
Esquizofrênica, como os fragmentos que, sem organizar-se numa história, desfilam na fala entrecortada dos moradores de rua mais agitados e perdidos.

Obsessiva, como a vontade de saber que Deus existe (mas não nos escolheu) que transparece na obstinação dos jogadores de bingo, dos apostadores do Jockey e dos pilares das casas lotéricas.

Psicopata, como o vizinho decidido a nos impor sua música, como o bando de jovens exultantes ao constatar o medo que inspiram, como o motorista que buzina para assustar e sustar os passantes, como o cara que tenta passar à frente na fila do cinema.
Dissoluta (perversa, diriam os que entendem pouco de clínica), como os cantos escuros do Ibirapuera à noite ou como os cinemas do largo do Arouche

(Trechos da crônica “São Paulo No Divã”, de Contardo Calligaris, para a Folha de São Paulo, em 2005)

Viu, só? Ele me confunde com meus filhos! E não foi nada lisonjeiro!

Terapeuta:

_ Na Terapia Holística não necessitamos rotular os Clientes, nem os classificar em padrões pré-determinados: cada qual é único… Contudo, o fato de ter te magoado tanto (a ponto de “decorar” a fala!) é significativo, indicando uma possível “negação” de algumas de suas facetas…

Cidade:

_ Era só o que me faltava! Vai dizer que meus filhos “herdaram” isso tudo comigo? Eu cuidei deles o melhor que pude! Aqueles ingratos! Sabe o que a maioria deles faz no MEU aniversário? Me deixam sozinha! S-O-Z-I-N-H-A! Saem todos de casa e vão visitar minhas irmãs!!! Vão todos para as casas das tias Rio, Salvador, Recife! Ingratos! Ingratos!

Terapeuta:

_ Deixe vir a emoção… Sem reprimir… A “catarse” pode ser um bom começo para lidarmos com estas questões…

Cidade:

_ Às vezes, emerge um ódio… Me dói saber que me deixam sozinha, bem no meu aniversário e ainda vão “puxar-o-saco” das tias! Faço bolo, festa, desfile, exposições, eventos artísticos e eles nem ligam!

Terapeuta:

_ Você já contou aos filhos como se sente?

Cidade:

_ Não quero dar o braço a torcer… E sempre tem aqueles filhos que ficam e aproveitam que boa parte dos irmãos não estão e aproveitam ao máximo! Ai, eu me distraio um pouco desta frustração e acabo até me divertindo! Ufa! Desabafei! Parece que me livrei de um “peso”!

Terapeuta:

_ Isso é bom! Claro, ainda há muito o que compreender e “digerir”… E ainda haverá ocasião de trazermos de volta à pauta, a hipótese das “projeções” de características entre mãe, filhos e terapeutas… Para o momento, vamos em mais uma atividade em Arteterapia!

Cidade:

_ Desta vez, vou pintar eu e meus queridos filhos!


Tela concebida pela Cliente “Cidade de São Paulo”, na sequência de sua segunda consulta…

Título: “Megalopolitanos”

Artista: Henrique Vieira Filho

Técnica: Mista

Tamanho: 120 cm x 80 cm

Ano: 2018