Resguardando direitos autorais, de propriedade e de valor máximo de revenda por meio de Certificados de Autenticidade
São Francisco: um de Portinari e outro, de Cid Serra Negra: qual destes artistas sofre mais falsificações?
Cite as
HENRIQUE VIEIRA FILHO. (2023). A Arte De Falsificar Arte. Revista Artivismo, 3(3). https://doi.org/10.5281/zenodo.7528916
Resumo:
Os artistas com obras de valores intermediários são tão ou mais vítimas de falsificações quanto os de renome mundial. Neste artigo, Henrique Vieira Filho toma como exemplo as obras de Cid Serra Negra e como os modernos e acessíveis recursos de Certificados de Autenticidade e Pericial resguardam direitos autorais e de propriedade resgatam o legítimo valor de mercado.
Desde sérias reportagens investigativas, até o divertido documentário “Fake Art – Uma História Real” (Netflix), sempre que o tema é falsificação de arte, as cifras citadas são de milhões de dólares pagos em obras que se revelaram fraudes sobre os trabalhos de Pollock, Rothko, Picasso, Vermeer, Rembrandt, Da Vinci, Di Cavalcanti, Portinari, Tarsila do Amaral, Guignard, Antônio Poteiro, Siron Franco, dentre muitos outros artistas cobiçados.
Quanto mais valorizado for o artista, maior a eventual margem de lucro para os fraudadores e, da mesma forma, ainda maior é o risco de ser descoberto.
Mas, e se o falsário for menos ganancioso e preferir “trabalhar” em um nicho onde as chances de ser investigado são mínimas?
Basta escolher fraudar artistas cujas obras estão com valores de mercado em um teto de US$ 2.000. Afinal, verificar a autenticidade custaria mais caro que a própria pintura e não compensaria aos vendedores/compradores investir em uma perícia técnica.
Melhor ainda se o alvo não possuir “Catálogo Raisonné” (documentação detalhada de cada obra produzida), nem Certificados de Autenticidade ou de Propriedade, situação esta que é típica para a maioria dos artistas. Por sinal, quanto mais contemporâneo, mais simples será para encontrar as mesmas tintas e materiais usados nos originais, diferente do que acontece com as artes de séculos anteriores, cujos pigmentos não são mais encontrados no mercado.
Se já estiver prescrito os direitos autorais (mais de 70 anos após a morte do artista ou, antes, caso não tenha herdeiros), tanto melhor.
E este é o caso do pintor que abordarei a seguir, sobre o qual me tornei um “connoisseur” (profissional conhecedor das obras, estilo e assinatura do artista), tanto por ter contato com suas artes desde a infância, como também por ser artista plástico, galerista e pós-graduado em perícia técnica.
Em recente busca por adquirir um de seus trabalhos, deparei-me com uma “pechincha” (via de regra, é bom suspeitar quando os valores são abaixo do mercado) sendo comercializada em um popular intermediário de compra e vendas pela internet. Mediante análise das fotos e a certeza de poder receber o dinheiro de volta (a plataforma retém até a confirmar a satisfação), optei em correr o risco calculado e, de fato, era um original.
Contudo, a maior parte das “ofertas” que encontrei eu já descartei à primeira vista: assinaturas divergentes, pinceladas não condizentes com seu estilo, temática e materiais não habituais a este artista. E isto, inclusive, em galerias muito bem conceituadas!
Ou seja, Cid Serra Negra anda sendo falsificado tanto ou mais do que um Di Cavalcanti! É o alvo ideal: obras comercializadas em um valor mediano (que não compensaria financiar uma perícia para autenticação), não catalogadas, autor já falecido e sem herdeiros!
Conforme documento de óbito, Cid de Abreu (que também assina como Cid, Cid Abreu, Cid S.Negra e Cid Serra Negra), filho de Izaura de Abreu, nasceu (27/01/1924) e faleceu (02/08/1993) em Serra Negra / SP / Brasil.
O Projeto De Lei Municipal Nº 89, de 2020, que objetiva dar o nome do artista ao espelho de água de uma das principais praças do município, em sua justificativa, acrescenta mais detalhes de sua procedência, sem citar a fonte dos dados extras:
“Filho de Sebastião Pires da Cruz e de Izaura Julieta de Abreu, que casaram em 19 de abril de 1913. Cid não chegou a conhecer o pai, que os deixou quando ele ainda estava no ventre de sua mãe. Eram seus avós paternos: João Pires da Cruz e Gertrudes Maria das Dores e avós maternos, José Elias de Abreu e Anna Carolina de Abreu”.
Não há registro conhecido de herdeiros, implicando no domínio público de sua obra:
Lei de Direitos Autorais – | Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998
Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:
I – as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;
Suas obras são muito procuradas e presenças constantes em leilões, sendo que seu estilo primitivista, “naif”, agrada tanto aos colecionadores brasileiros, quanto aos do exterior.
Alcançou a fama e consagração ao cair nas graças de jornalistas e “socialites”, em especial, Helena Silveira e Lygia de Freitas Valle.
Lygia de Freitas Valle – socialite brasileira, filha de embaixadores, cantora do período da bossa-nova e grande admiradora de Cid Serra Negra. Casada com o medalhista olímpico, empresário e político, Willy Otto Jordan, a tumultuada vida social do casal foi alvo de diversas reportagens no período da ditadura, | “Cid pinta como um poeta. Seu estilo, oriundo de pinceladas ágeis e policromáticas, causa impacto e admiração, por realizar o quase milagre, sendo obra de alta categoria, de permanecer um autêntico ingênuo” |
Helena Silveira – Escritora e jornalista, querida e respeitada pela elite intelectual e artistas, era irmã de Dinah Silveira de Queiroz e prima de Rachel de Queiroz, as duas primeiras mulheres a serem aceitas na Academia Brasileira de Letras.De 1974 a 1976, assinou, além de “Helena Silveira Vê TV”, a coluna “Videonário”, ambas para o jornal “Folha de São Paulo”. | “Suas telas são geralmente vivas e transmitem sempre uma mensagem de candura e otimismo voltada para a força da fé e do místico. Cid é, antes de tudo, folclórico. Um homem pitoresco em imaginação e força criativa. Inteligente e cuidadoso, pinta pelo seu instinto artístico, baseado no diminuto conhecimento que o cobriu pelas leituras (em francês) dos grandes mestres da pintura” ” |
Cid Serra Negra foi pauta constante de reportagens e programas televisivos de enorme audiência, tais como os comandados por Hebe Camargo e Xênia Bier.
Xênia Bier – jornalista e atriz, nos anos 80 conquistou popularidade apresentar programas femininos: “TV Mulher”, entre 1981 e 1984, na TV Globo, o “Mulher 88”, na antiga TV Manchete, “Xênia e Você”, na TV Bandeirantes, além do programa “Mulheres”, da TV Gazeta, ao lado de Ione Borges. | Hebe Camargo – apresentadora, cantora, radialista, humorista e atriz, considerada como a Rainha da Televisão Brasileira, veículo em que atuou por mais de 60 anos, tendo feito história em programas da Record, Bandeirantes e SBT que lhe garantiram público cativo e o reconhecimento nacional. |
Valorizou-se ainda mais por suas exposições na Galeria de Arte Portal, que estava em seu auge, a tal ponto de ser a primeira a expor as obras de Picasso na América Latina, por ocasião das comemorações de seus 90 anos.
Jornal Folha de São Paulo,de 20/11/1971, pág. 31 | Primeira exposição de Cid Serra Negra, na Galeria Pontual, apresentado pela escritora Helena SilveiraJornal Folha de São Paulo, caderno Folha Ilustrada, de 12/06/1969, pág. 37 |
A importância da Galeria Pontual em sua época pode ser mensurada pelo fato de conseguirem a primeira exposição de obras de Picasso na América Latina, por ocasião das comemorações de seu aniversário de 90 anos. |
Pessoalmente, julgo como sendo seu trabalho mais significado, o conjunto da obra eternizada na Igreja de São Benedito (Serra Negra / SP), por sua ousadia e originalidade em retratar anjos negros e incluir um saci e uma criança indígena como querubins.
Detalhes contendo saci e indígena como querubins na obra de Cid Serra Negra para a Igreja de São Benedito. Fotomontagem ilustrando o artigo de Henrique Vieira Filho para o Jornal O Serrano |
Enfim, mesmo perante toda essa consagração como artista, em caso de inexistência de documentos atestando a autoria, isso gera insegurança para os compradores, obrigando os proprietários das obras a reduzir o valor monetário de venda.
Este foi o caso da obra aqui citada, que adquiri como “pechincha”. Ao rastrear a trajetória desta pintura em particular, a encontrei em vários leilões anteriores, sendo comercializada e adquirida por mais do triplo do que paguei.
Se é que algum dia existiu um Certificado de Autenticidade e/ou de Propriedade, o mesmo se perdeu nas continuadas compras e vendas, algo muito comum no mercado das artes, em especial, tratando-se de espólios, com as famílias jamais localizando o documento autenticador ou o recibo da aquisição, que poderia, pelo menos, indicar uma boa procedência.
Para recuperar o preço máximo de mercado, a solução foi autenticar a obra, por meio de Laudo Pericial, de tal forma que o investimento na Certificação de Autenticidade mais do que duplicou o valor de revenda.
Versão física do Certificado de Autenticidade mediante Laudo Pericial (igual teor em versão digital com registros “blockchain” e DOI).Um investimento de R$ 350,00 que somou mais R$ 1.700,00 ao valor final de revenda à obra. | Certificado de Autenticidade e Selo (fixado à obra) com numeração exclusiva e QRCode que direciona ao registro internacional DOI, também redundante em cartório virtual (“blockchain”). |
Como perito, cabe aqui uma observação quanto aos valores de honorários periciais (usualmente cerca de R$ 15.000,00). O custo aqui aplicado, praticamente simbólico, se deve por já ser um “connoisseur” das obras de Cid Serra Negra, ou seja, não foi preciso um estudo “do zero”, envolvendo radiografia, colorimetria, espectroscopia, microscopia, nem demais recursos laboratoriais.
O laudo pericial para autenticação é o caminho para resgatar o valor nos casos de pintores já falecidos em relação às suas obras, via de regra, sem documentação de procedência.
Para artistas vivos e em atividade, há caminhos bem mais simples.
Registrar em cartórios ou na Belas Artes do Rio de Janeiro (opção prevista até em lei federal), na prática, é ineficaz, visto que uma eventual busca por parte dos interessados em localizar ou mesmo, conferir a documentação, é custosa, tanto do ponto de vista financeiro, quanto de tempo demandado.
Um dos problemas dos documentos de autenticidade serem apenas em versões físicas é a facilidade de extravio e o desgaste pelo passar do tempo, implicando em rasuras, trechos ilegíveis e fragmentações.
A solução que adoto é manter também em versão digital, utilizando o sistema “blockchain” (os chamados “cartórios virtuais”) onde a documentação é “eternizada” na internet, com a garantia de diversas instituições mundiais que armazenam de forma redundante, de fácil acesso (links diretos e buscadores) e resguardadas contra alterações.
A este formato, ainda acrescento o registro DOI (Digital Object Identifier), aplicando à cultura o mesmo padrão mundial utilizado para respaldo e divulgação das produções científicas, o que possibilita que conste, inclusive, no Currículo Lattes e ORCID.
Certificado de Autenticidade Assinado pelo próprio artista. Selo de AutenticidadeFixado na obra, com numeração idêntica e exclusiva à do Certificado Confeccionados e registrados via Sociedade Das Artes Um investimento de R$ 80,00 para resguardar direitos autorais ao artista e de propriedade aos compradores, valorizando a Arte. | Versão digital, igualmente válida, do Certificado de Autenticidade confeccionado e registrado via Sociedade Das Artes. Acessível via QRCode e links diretos para os registros internacionais DOI (validáveis como obras culturais para Currículo Lattes e ORCID) e também para o cartório virtual (“blockchain”), mantidos por instituições mundiais compromissadas com a manutenção e disponibilização atemporal dos documentos. |
Até mesmo os famosos “Catálogos Raisonnés” (verdadeiros tratados contendo registros visuais e documentais de cada obra do artista,) antes privilégio de poucos, está agora acessível ao grande público, em versões virtuais, promovidos em parceria entre a Sociedade Das Artes e a Revista Artivismo.
Se antes os artistas faziam justiça ao estereótipo de não se importarem com registros burocráticos, nem com as finanças e de serem avessos a novas tecnologias, em pleno século 21, esse visão “romantizada” não tem mais sentido e, quanto antes os contemporâneos Certificarem suas obras, os apreciadores e a própria Arte, agradecem.
Só quem não irá gostar são os falsários!